É quase impossível não associarmos o termo Religiosidade com os fariseus. Como abordamos AQUI, início desta série, há uma série de pensamentos e afirmações – verdadeiras ou não – que naturalmente nos remete a essa associação.
- Mas, será que essa é a verdade?
- Os fariseus eram religiosos realmente, ou legalistas, melhor dizendo?
- O religioso de hoje é o fariseu de ontem?
- Como sei que não sou apenas mais um religioso / fariseu em meio a minha práticas religiosas?
Muitas perguntas importantes e ainda estamos apenas na ponta do iceberg. Continue lendo este artigo.
Fariseus e o zelo religioso dos religiosos
As raízes de perfeição dos fariseus não são a única razão pela qual se tornaram religiosos famosos. Eles estruturavam sua vida no sólido fundamento da Palavra de Deus. Os fariseus, como veremos, acreditavam na doutrina correta, buscavam manejar “[…] bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15) e, fundamentados na Bíblia, estavam determinados a viver de forma perfeita. Aplaudiríamos com entusiasmo essas características.
A doutrina correta
Se mudássemos apenas algumas afirmações, a maioria de nós assinaria prontamente a declaração doutrinária dos fariseus! Embora tenhamos a tendência de pular essa parte, Jesus afirmou a ortodoxia teológica básica dos fariseus quando disse:
“Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e fariseus. Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai” (Mt 23.2,3a).
Nós, de forma característica, movemo-nos imediatamente para a linha seguinte em que Jesus nos alerta contra a disjunção entre a pregação e a prática dos fariseus. No entanto, os fariseus, embora a maioria deles não fosse sacerdote, ensinavam com tenacidade a ortodoxia, os dogmas do judaísmo. Além disso, Jesus concordou com a compreensão dos fariseus em relação à importância central do Shema e o mandamento para amar ao próximo (Mt 22.34-40; Lc 10.25-28). Conforme observa Merrill C. Tenney: (Nota 4)
“Ele [Jesus], em relação à teologia, estava mais de acordo com eles que com qualquer facção do judaísmo”.
Em relação à teologia, o apóstolo Paulo, da mesma forma, toma partido dos fariseus em Atos dos Apóstolos 23.6-10, quando faz sua defesa diante do sinédrio. Ainda assim, temos a tendência de não reconhecer a ortodoxia básica dos fariseus. Por quê?
Talvez estejamos cegos para as suas crenças porque já somos tendenciosos em nossa posição contra eles. Talvez façamos isso porque estamos familiarizados apenas com os aspectos negativos que Jesus nos alertou para que evitássemos (Mt 16.6,11,12) (Nota 5). Munidos com essa evidência, chegamos a conclusões erradas. Agrupamos os fariseus com os saduceus quando esses dois grupos não gostavam de estar na companhia teológica um do outro. Embora os fariseus tivessem um bom número de falhas fatais, a doutrina deles não era o principal para eles.
A religiosidade e a interpretação correta da Bíblia
Os fariseus, desde o surgimento de seu movimento, eram pessoas do Livro. Josefo escreve que “eles, conforme se supõe, devem exceder os outros no conhecimento preciso das leis de seu país”.(Nota 6). Eles reverenciaram, estudaram, memorizaram e buscaram interpretar as Escrituras de forma acurada.
A busca da vida deles era a busca para aplicação dos ensinamentos das Escrituras a todas as áreas da vida. Os fariseus tinham a Palavra de Deus em alta estima e buscavam obedecer a todos os mandamentos e ordenanças ali presentes. Tinham uma liturgia bem desenvolvida, fundamentada na leitura e na aplicação da Bíblia. A mente e a vida dos fariseus estavam imersas nas Sagradas Escrituras.
Talvez estejamos cegos para as suas crenças porque já somos tendenciosos em nossa posição contra eles.
Os fariseus, além disso, não passavam ao largo da aplicação da Bíblia. Eles, embora reconhecessem a natureza imutável da Palavra de Deus, consideravam a Torá como um corpo de verdade, dinâmico e em desenvolvimento. Buscavam, com zelo exemplar, fazer as Escrituras mudar a situação cultural.
Os fariseus desejavam sinceramente inculcar a Palavra de Deus na vida das pessoas. Eles, com as melhores das intenções, esforçavam-se para fazer todas as esferas da vida ficar sob a autoridade da Palavra de Deus, respeitando sua vontade moral. Assim, estabeleceram tradições para codificar seu entendimento de como a Lei deve ser aplicada aos ambientes e às circunstâncias da vida.
Eles construíram cercas em volta da Lei para ajudar as pessoas a não quebrá-la.
Eles queriam que seus companheiros judeus caminhassem com Deus, não só falassem sobre ele. O objetivo deles era fazer todas as facetas da vida se sujeitar à verdade de Deus. E eles desejavam que esse zelo pela obediência fosse abraçado pelas massas, não apenas por uma pequena elite.
É interessante observar que a atitude dos fariseus em relação às Escrituras se equipara às dos conservadores de hoje. Nós, como eles, temos as Escrituras em alta consideração e nos orgulhamos de nossa fidelidade à Palavra.
Em todas as esferas da igreja, das crianças até os cidadãos seniores, encorajamos e honramos o estudo da Bíblia. E eles também faziam isso. Favorecemos a ampla disseminação das Escrituras para que a pessoa comum também possa entendê-las. E eles também faziam isso.
Nós, como os fariseus, buscamos aplicar a Bíblia a toda faceta da vida. Nós, como os fariseus de antigamente, acreditamos na Bíblia e ensinamos que devemos confiar nela e obedecer a ela. E nós, os protestantes, como os fariseus, orgulhamo-nos de nossa habilidade para aplicar a verdade de Deus para promover a mudança do ambiente social.
As aspirações e as ações dos fariseus da Bíblia se parecem com as nossas!
Estilo de vida justo
Os fariseus não só eram doutrinariamente ortodoxos e biblicamente cultos, mas também se esforçavam para viver sua fé. Eles buscavam isso com zelo, e todos reconheciam que eram mais religiosos que os demais (Nota 7). Jesus fornece uma perspectiva sobre os fariseus quando afirma:
“Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20).
Qualquer pessoa de uma audiência judia do primeiro século que ouvisse Jesus proferir essas palavras se sentiria incapaz de alcançar tal padrão, pois os fariseus eram ícones culturais da justiça. Por qualquer critério que empreguemos hoje, os fariseus eram extremamente justos.
Os fariseus buscavam ter uma vida pura. De acordo com Josefo, eles procuravam “fazer todas as coisas que pudessem agradar a Deus” (Nota8). A principal prioridade dos fariseus era promover a pureza bíblica em Israel. Acreditavam que os mandamentos de Deus em relação à pureza sacerdotal deveriam ser praticados por todos os judeus.
Os fariseus se dedicaram à adoração pura. Consideravam os rituais do judaísmo no templo, presididos pelos sacerdotes, os levitas, e pela classe governante, adulterados e, portanto, planejaram um culto de adoração na sinagoga que orbitava em torno da oração, da leitura pública e da exposição das Escrituras (Lc 4.l6s.) e a “educação judaica” das crianças (Nota9).
Por intermédio da sinagoga, os fariseus eram capazes de influenciar uma grande porção da vida de adoração de Israel. Embora a sinagoga não tenha suplantado o templo até ele ser destruído, em 70 d.C., ela era basicamente o local de encontro daqueles que se interessavam mais pela fé bíblica que pela ritualística.
Os fariseus modelavam esse estilo de vida justo em cinco outras áreas.
# 1 – Primeiro, a vida de oração dos fariseus era exemplar. Eles oravam em público (Mt 6.5,6), com regularidade, de forma ritualística e respeitosa. Eles não só oravam, mas jejuavam enquanto oravam (Mt 6.16; Lc 18.12).
# 2 – Segundo, viviam de forma consagrada, levavam uma vida separada. O próprio nome fariseu, de acordo com as derivações mais comuns, quer dizer “aquele que foi separado” (Nota 10). Eles odiavam o pecado e buscavam ativamente a santidade.
# 3 – Terceiro, eles valorizavam a comunhão. Os registros de Josefo afirmam que os “fariseus eram amorosos uns com os outros e cultivavam relacionamentos harmoniosos na comunidade” (Nota 11). Eles se organizavam em pequenos grupos para o propósito da edificação mútua e da prestação de contas, conceitos populares hoje. Eles comiam à mesa uns dos outros e estudavam as Escrituras.
# 4 – Quarto, eles eram bons doadores. Os fariseus tinham a determinação de dar o que era devido a Deus de todas suas fontes de renda (Lc 18.12).
# 5 – Finalmente, eles eram evangelistas ativos. Jesus disse que eles percorriam terra e mar para fazer um prosélito (Mt 23.15).
Uma nobre agenda social: Surpreenda-se!
A religião sincera tem ramificações sociais. Portanto, não devíamos nos surpreender que a vida social dos fariseus refletisse sua profunda preocupação pela piedade.
Os fariseus representavam um estável grupo de classe média. Eles representavam não só a religião de Israel, mas também o coração e a alma social da nação. Eles eram honestos e trabalhadores.
Muitos eram pequenos comerciantes que levavam uma vida simples e confortável. Eles eram defensores da igualdade humana. Tinham menos interesse em política e em economia, que na religião (embora isso não queira dizer que não fossem ativos na política ou motivados em relação aos aspectos econômicos). Em toda a literatura sobre os fariseus, observa-se que as massas ficavam do lado deles.
Os fariseus eram politicamente conservadores, mantendo presença política e voz profética, embora não resistissem de forma ativa ao governo romano. Eram sabiamente tolerantes e capazes de fazer concessões ao governo gentio desde que a missão religiosa deles não fosse infringida.
Os fariseus, além disso, defendiam os valores tradicionais. Viam a si mesmos como defensores das formas antigas contra a invasão do estilo de vida mais novo e mais secular. Os padrões éticos e morais eram lendários e, conforme poderia ser pressuposto, eles retiravam seus exemplos da Palavra de Deus, o fio de prumo no mundo pagão.
Os fariseus não sucumbiram à superstição dos cananeus, à depravação moral dos egípcios ou à violência dos romanos. Eram respeitosos em relação às pessoas idosas (Nota 12) e insistiam na integridade da família.
Além disso, os fariseus tinham preocupações sociais. Não tinham coração duro, conforme muitos supõem. Na verdade, os saduceus eram conhecidos por ser mais severos que os fariseus.
Hillel, um dos grandes líderes dos fariseus, era exaltado por sua compaixão. Gamaliel, outro fariseu importante, defendia a tolerância e a moderação (At 5.34-39). “Os fariseus realmente tinham admirável reverência pela humanidade, muita consideração pela tolerância e grande amor pela paz”, escreve D. A. Hagner.
A famosa fala de Hillel registrada na Mishnah, é a seguinte: (Nota 13)
“Seja como os discípulos de Arão que amam a paz e buscam a paz, amam a humanidade e a trazem para a Lei”.
Com a opinião favorável do ser humano e a forte crença na igualdade, os fariseus, provavelmente, eram bons para o seu próximo. Ainda que isso possa nos surpreender.
Nos surpreender? Será que somos assim, tão religiosos?
Precisamos saber!!
notas
4 Tenney, Merrill C. New Testament Times. Grand Rapids: Ecrdmans, 1978, p. 93.
5 Jesus chegou até mesmo a afirmar o aspecto relacional da soteriologia dos fariseus quando ele aprovou um doutor da lei (que pode muito bem ser um fariseu) que lhe perguntou sobre a vida eterna (Lc 10.25-28).
6 a 11 Josefo, Flavio. The life of Flavius Josephus, see. 38, in The works ofJosephus, trad. William Whitson. Lynn, Mass.: Hendrickson, 1982, p. 100.
12 Mason, Steve. Flavius Josephus on the pharisees, p. 376.
13 Hagner, D. A. “The pharisees”, p. 749.