Uma das maiores fontes para nosso estudo sobre Religiosidade ou Legalismo será a vida dos fariseus.
Falamos neste post AQUI que a religiosidade ou legalismo é uma rocha a ser tirada da estrada antes de podermos nos considerar livres para seguir em frente em nossa jornada rumo à liberdade.
A cara da religiosidade
Peça a qualquer cristão devoto para jogar o jogo de associação de ideias com “fariseu”, e as respostas serão esmagadoramente negativas.
As seguintes palavras geralmente são mencionadas quando pedimos as pessoas para que digam sinônimos para farisaismo:
hipócritas; contra Jesus; consideram-se extremamente justos; orgulhosos; legalistas; viviam procurando defeitos e fixendo criticas.
Outras respostas:
“O tipo de pessoa que sempre acha que está certa; e o outro totalmente errado”; “Conheciam a Lei, mas não a praticavam”; “Rejeitavam a todos”; “Exigentes”; e: “Os que mataram Cristo”.
Perceba que não não há nenhuma associação positiva. É irônico saber que se jogássemos esse mesmo jogo com uma audiência judia, provavelmente, todas as associações seriam positivas.
Segue o Jogo
A maioria dos cristãos, indubitavelmente, tem consciência dos nomes que Jesus e João Batista usavam para os fariseus, inclusive: “cego” (Mt 23.16,17,19,24,26); “serpentes” (Mt 23.33); “filho do inferno” (Mt 23.15); e, isso mesmo, “hipócritas” (Mt 6.2,5,16; 15.7; 22.18; 23.13-15,23,25,27-29; Lc 13.15).
Embora os insultos sejam descaradamente biblicos, muitos deles ocorrem em um capitulo (Mt 23), ern que Jesus tambem repreende os lideres religiosos, chamando-os de “insensatos” (v. 17) e “sepulcros caiados” (v. 27).
Na verdade, os insultos proferidos por Jesus aconteceram em apenas algumas ocasiões (quando Jesus se deparou com as tradições que distorciam a verdade e os testes cuidadosamente planejados para pegá-lo em uma armadilha), e provavelmente esses insultos foram dirigidos a alguns dos fariseus, não todos eles.
Talvez por causa da agudeza da critica de Jesus em Mateus 23, muitos se esquecem de outras afirmações, implicações e exemplos positivos do Novo Testamento.
Exemplos positivos… dos fariseus?
Os professores de Bíblia e os pregadores ignoram os escritos judeus e se envolvem com leituras seletivas das Escrituras por meio de uma grade de preconceitos. Muitos cristãos desenvolvem uma caricatura, e não um retrato preciso dos fariseus. Uma caricatura, por definição, a uma imagem distorcida que foca algumas características e as exageram tanto que a imagem fica quase irreconhecível.
O resultado é uma falsa monstruosidade. Quando vemos as pessoas como falsas monstruosidades, raramente as usamos como espelhos, se é que isso aconteça alguma vez, para nos ensinar a respeito de nós mesmos.
Estudos recentes sobre a Bíblia reconheceram que essa caricatura está equivocada e buscou remediar isso. (Nota 2). A vida boa, bem como as características e as contribuições positivas dos fariseus, são devidamente observadas. Elas negam, da forma mais contundente possível, essa caricatura estritamente negativa retratada pela maioria dos cristãos. Além disso, elas apelam para o pensamento saudável e a compreensão mútua.
Entretanto, essa ação corretiva, por parte dos estudiosos, ainda não chegou aos cristãos que se encontram nos bancos da igreja nem aos púlpitos ou as páginas mais populares da terra. Pastores, até mesmo aqueles que são sensíveis ao legalismo, tendem a não perceber as características mais ubíquas do farisaísmo em meio aos fiéis. Em vez de nos aproximar para fazer descobertas sobre nós mesmos, recorremos a hipérbole e criamos distância.
Fariseus: Quem são, onde estão, como vivem…?
Se desejarmos ter um retrato o mais preciso possível dos fariseus, não poderemos deixar de omitir algumas fontes nem exagerar outras. Tampouco, devemos ignorar as nuances e as implicações que contam uma história sobre os fariseus a qual possa estar em desacordo com nossos pressupostos. Acredito que, em relação aos fariseus, tanto as caricaturas judias quanto as cristãs são extremamente falhas.
O retrato judeu é muito puritano; e o cristão, muito diabólico. Um é a bondade sem as falhas; e o outro, as falhas sem a bondade. O resultado final é o mesmo para essas caricaturas — ambas não passam de ilusão! As duas impedem que sirvam de espelho para a sua alma. As duas nos distanciam de Deus, em vez de nos aproximar dele.
Religiosidade e a ascensão dos Fariseus
Eles surgiram em Israel, em resposta aos acontecimentos religiosos, culturais e políticos que afetaram a nação desde o império grego e, talvez, antes desse período. Eles se tornaram proeminentes durante o período dos macabeus (c. 160-60 a.C.), e os dois principais rabinos deles, Hillel e Shammai, apareceram durante as décadas finais antes do nascimento de Cristo. Suas respectivas escolas dominaram a cena religiosa em Israel pelos dois séculos seguintes. Shammai era conservador; e Hillel, moderado (Veremos mais sobre cada um deles).
Na época de Jesus, os fariseus já haviam se tornado os lideres religiosos de Israel. Eles controlavam a sinagoga e tinham representantes no sinédrio. Tinham como aliados um grupo cada vez maior de estudiosos da Bíblia, homens zelosos pela Lei de Deus. Depois de algumas péssimas experiências com a política, eles se especializaram pela busca espiritual.
Embora os fariseus “radicais” fossem aparentemente menores em numero (Nota 3), a influência deles era considerável. Até mesmo Herodes, homem que desprezava a perspectiva deles, foi forcado a respeitar a influência que exerciam sobre o povo e ele, com frequência, era cuidadoso para não ofendê-los.
Nós, os fariseus. Será?
Ao examinar as raízes históricas dos fariseus, e possível perceber semelhanças surpreendentes com a Reforma Protestante e também algumas similaridades com os movimentos evangélicos fundamentalistas de hoje.
A medida que a cultura clerical e religiosa do judaísmo se aproximou cada vez mais do secularismo, um grupo de leigos piedosos (pietistas) levantou-se para reclamar a identidade dos judeus como o povo da Palavra de Deus. Eles estavam determinados a se “voltar para a Bíblia”.
Esses puristas em relação as Escrituras foram os maiores responsáveis pelo estabelecimento de um novo centro de reunião para a sua religião, as “casas de estudo”, e nós as conhecemos pelo nome de sinagogas. Ali, os judeus podiam, de forma meticulosa, estudar a Bíblia e aplicá-la em todos os aspectos da vida. Eles eram os principais proponentes de uma sólida educação fundamentada na Bíblia (pioneiros de nossa ênfase na educação cristã).
Os fariseus afirmaram a responsabilidade de todo judeu, não apenas dos sacerdotes e dos escribas, de conhecer e praticar a Lei. Eles foram, por assim dizer, os primeiros a afirmar a doutrina do “sacerdócio para todos os crentes”.
Eles também protestaram (“protestantes”) contra a corrupção da religião e resistiram ao “humanismo” de sua época, o helenismo. Na “guerra cultural”, decorrente dessa helenização, eles se apegaram com tenacidade a “[…] fe que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (Jd 1.3).
Eles buscavam purificar a religião, que se tornara ritualística e sem sentido, e viver em santidade (Movimento de Santidade). Eles praticaram a fé com piedade e, algumas vezes, foram perseguidos por causa disso.
Hoje, conservadores de qualquer fé ficariam devidamente impressionados com raízes como essas.
Esta série está começando neste artigo, não deixe de acompanhar.
1 – Série baseada nos livros A Neurose da Religião (Tom Hovestol) e Contaminação Espiritual (Alcione Emerich)
2 – Veja, Davies, William. Introduction to pharisaism. Philadelphia: Fortress, 1967; Herford, Robert. The pharisees. Boston: Beacon, 1962; Wright, N. T. The New Testament and the people of God. Minneapolis: Augsburg Fortress, 1992; e Sanders, E. P. Judaism: Practice and belief. London: SCM, 1992.
3 Hagner, D. A. “ lhe pharisees”, vol. 4 in Zondervan Pictorial Encyclopedia. Grand Rapids: Zondervan, 1975, p. 746.